Sabe-se que o ADN é a molécula que armazena a informação genética, cada uma das funções e características que distinguem um indivíduo, e que é composta por 4 nucleótidos: adenina (A), a citosina (C), a guanina (G) e a timina (T). A única combinação destas quatro letras ao longo do ADN gera um código capaz de decifrar-se, e o ser conhecedor deste te dá o poder de entender de que maneira funciona e levá-lo ao próximo passo: o de manipular.
Da mesma forma que um engenheiro em sistemas desenvolve códigos a partir de um sistema binário (0,1) para que as máquinas realizem funções diferentes, codificar o ADN a partir de um sistema de quatro letras (A, C, G e T) permite que um organismo vivo actue com base na forma como o codificou e programou. Mas através de quais mecanismos se consegue modificar o ADN de um organismo? Para fazer isso, são necessárias tecnologias chamadas “tijeras moleculares”, que consigam cortar este ADN em regiões específicas, quer para remover um fragmento ou para introduzir um novo. Em princípio, utilizavam-se as tecnologias denominadas nucleasas dedos de zinco e as TALEN (nucleasas efeitoras de tipo ativador de transcrição) mas foram finalmente substituídas pelo sistema de CRISPR-Cas devido à facilidade de sua síntese, o preço de mercado, sua efetividade e precisão nos cortes de DNA.
Qual é a sua utilidade?
Como comenta Claes Gustafsson, presidente do Comitê Nobel de Química, “Há um poder enorme nesta ferramenta genética, que nos afeta a todos. Não só revolucionou a ciência básica, mas também deu origem a culturas inovadoras e dará lugar a novos tratamentos médicos inovadores.”, esta tecnologia é muito versátil e pode ser utilizada com múltiplos objetivos: em ciência básica para criar modelos que facilitem o estudo e em ciência aplicada em diferentes campos:- Em biotecnologia animal Foram desenvolvidos suínos modificados para o transplante de órgãos com ausência de certos genes para evitar a rejeição imunológica, vacas capazes de sintetizar produtos farmacêuticos no leite, conseguiram reduzir o número populacional de espécies que causam doenças endémicas como os mosquitos com a dengue modificándo-os e cando-os infertilidade.
- Em biotecnologia vegetal Foram desenvolvidas plantas modificadas de interesse comercial resistentes às condições climáticas, a fertilizantes, desenvolveram-se vacinas vegetais e criaram flores com pigmentação desejada.
- Em biotecnologia dos microrganismos Por exemplo, foram modificados genomas de bactérias de interesse na indústria para economizar processos, ou para a produção de biodiesel.
- Também estão a ser desenvolvidos mecanismos para curar doenças, como terapêuticas gênicas em que se tenta eliminar em doentes genes que causam a doença que sofrem ou trocar uma mutação pela sequência correta, ou mesmo inserir um gene para aumentar a sua expressão, no caso da insulina em doentes diabéticos, por exemplo. Por outro lado, existem infecções bacterianas resistentes a antibióticos, e uma possível forma de fazer face a isso seria gerar vírus geneticamente modificados para atacar especificamente o tipo de bactéria que gera a infecção.
Sua descoberta
Para surpresa de todos, o sistema CRISPR-Cas não é tão novo como se poderia pensar, foi descoberto em genomas bacterianos e de archeas há mais de três décadas em 1987 pelo biólogo Yoshizumi Ishino. Este investigador observou no genoma destes microrganismos a presença de sequências de ADN repetidas (sequências CRISPR) interrompidas por um ADN espaciador. Mas para que servia este sistema realmente? Depois de várias hipóteses, descobriu-se que quando um vírus infectava a bactéria ou archea; o sistema funcionava como guia para o genoma viral e as tesouras moleculares proteicas cortavam-no eliminando o vírus. Portanto, este sistema atuava como um mecanismo de defesa, ou como uma sorte de sistema imunológico antiviral.Em que consiste CRISPR-Cas9
Embora existam seis tipos de sistemas CRISPR-Cas, o melhor caracterizado e utilizado em edição genética é o tipo II (CRISPR-Cas9). Consiste basicamente de uma região de ADN formada por dois tipos de sequências: sequências repetitivas e entre cada repetição, uma sequência espaciadora que é complementar à sequência do Vírus, ou seja, que pode aderir a uma região específica do vírus. Cada sequência repetitiva + uma sequência espaciadora se transscreve a ARN (Ácido Ribonucleico) formando um crARN que por sua vez se combina com outro ARN (Trans-ARN) formando um ARNguia. Este complexo é direcionado para uma região específica do vírus graças à sequência espaciadora e uma proteína, a caspase 9 (Cas9) funciona como tesoura clivando o genoma do vírus apenas se essa região estiver adjacente a sequências curtas chamadas “PAMs”.Na sequência desta descoberta, em 2012 as pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna Encontraram um potencial uso ao sistema CRISPR-Cas9 (tipo II) adaptando-o como uma tecnologia muito importante para o campo da edição gênica, o que significou um prêmio nobel de química compartilhado em 2020. Alcançaram demonstrar que projetando um ARNguia direcionado para uma região de interesse, a caspase 9 podia cortar o DNA desta região eliminando a funcionalidade desse fragmento, e que, se além disso se aplica uma sequência extra de ADN que funciona como molde, podem ser adicionados fragmentos com informação, modificando o DNA de qualquer organismo.
Atualmente, foram desenvolvidas variantes da CRISPR-cas9 que não editam a sequência de ADN em si, mas são utilizadas como guias para uma região específica e alteram a expressão do gene ou dos genes presentes nessa região (os ativam ou desativam), ou fusionam proteínas para essa região como por exemplo uma proteína fluorescente para localizar em que região do genoma está presente essa sequência específica. Para onde mais nos imaginamos que poderia chegar esta tecnologia?
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