Quão importante é realmente a IA?
De acordo com a BCG, três em cada quatro executivos consideram a IA como uma prioridade estratégica. Na mesma linha, a McKinsey revela que 78% das organizações já utilizam IA em pelo menos uma função de negócios, confirmando que deixou de ser um experimento para se tornar parte do núcleo operacional das empresas. Em menos de uma década, a Inteligência Artificial (IA) se tornou um dos principais motores de transformação econômica global. Segundo o Stanford AI Index Report 2025, o investimento privado em IA nos Estados Unidos alcançou 109,1 bilhões de dólares em 2024, quase 12 vezes o investido pela China e 24 vezes o do Reino Unido.
O impacto econômico dessa onda tecnológica é comparável, em escala, ao da eletrificação ou da informática pessoal. Mas a velocidade e a assimetria na adoção apresentam um desafio singular: a IA não apenas reconfigura modelos de produção e emprego, mas também as estruturas regulatórias e fiscais que os sustentam.
Por sua parte, recentemente, a OpenAI anunciou uma aliança estratégica com a Sur Energy para desenvolver na região patagônica da Argentina um megacentro de dados cujo valor estimado poderia alcançar os USD 25 bilhões, sob o projeto denominado “Stargate Argentina”. O plano contempla uma capacidade de até 500 MW de potência computacional dedicada à IA, e se inscreve no marco do regime de incentivos para grandes investimentos (RIGI). Do ponto de vista econômico, esse tipo de projeto oferece uma oportunidade singular para posicionar o país como um hub regional de IA, mas também apresenta desafios: a magnitude do investimento, seu financiamento, e a capacidade local para absorver e operar uma instalação desse tamanho devem ser consideradas cuidadosamente.
Um vetor de crescimento e produtividade
O Fundo Monetário Internacional (FMI, 2024) projeta que a IA poderia aumentar a produtividade global entre 0,3% e 0,6% ao ano durante a próxima década, embora advirta que os benefícios estarão desigualmente distribuídos: concentrados em países com alta investimento em capital intangível e força de trabalho qualificada.
Na América Latina, os avanços são mais lentos. O relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2025) estima que o gasto regional em IA atingiu 2,6 bilhões de dólares em 2023, apenas 1,5% do total mundial, apesar de a região representar 6,3% do PIB global. O Brasil e o México lideram a adoção, seguidos pelo Chile, mas o impacto econômico continua limitado: um aumento de 1% no gasto em IA está associado a apenas 0,036% de crescimento do PIB, efeito que se materializa principalmente pela melhoria na produtividade do trabalho qualificado.
O Atlas de Inteligência Artificial para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2024) confirma que a região enfrenta uma “dupla lacuna” em matéria de IA: de capacidades e de governança. Por um lado, 80% dos investimentos privados em IA se concentram em apenas três países (Brasil, México e Chile), enquanto metade dos países da região não registram políticas ativas de promoção tecnológica. Por outro lado, 70% das instituições públicas e regulatórias carecem de infraestrutura de dados e talento técnico suficiente para adotar ou supervisionar sistemas de IA.
Isso evidencia uma lacuna estrutural: a IA impulsiona a eficiência do emprego qualificado, mas pode ampliar as desigualdades onde predominam tarefas rotineiras ou de baixa qualificação. Na região, menos de 30% da população adulta possui educação terciária (em comparação com mais de 50% em economias avançadas), o que reduz o potencial de captura dos benefícios tecnológicos.
Potencial laboral e limites da transformação
O Banco Mundial (2025) calcula que entre 30% e 40% dos empregos atuais na América Latina e no Caribe poderiam ser automatizados ou profundamente transformados pela IA, especialmente em tarefas administrativas, financeiras e logísticas. No entanto, também identifica um importante “potencial de novos empregos” em setores de análise de dados, serviços digitais e manutenção tecnológica, desde que os países invistam em educação e reconversão laboral.
O PNUD (PNUD, 2024) concorda que a IA poderia ser uma ferramenta de desenvolvimento inclusivo se combinada com políticas ativas de inovação, fortalecimento institucional e digitalização do Estado. No entanto, a região apresenta um investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de apenas 0,7% do PIB, em comparação com 2,7% dos países da OCDE, o que limita a autonomia tecnológica e agrava a dependência de fornecedores externos.
Por sua vez, um estudo recente do MIT e Fortune (2024) revelou que apenas 5% dos projetos piloto de IA corporativa conseguem gerar impacto mensurável na produtividade, o que evidencia uma paradoxo: o investimento tecnológico avança mais rapidamente do que a capacidade institucional para integrá-la de forma eficaz.
Esses desafios se amplificam em economias como a argentina, onde a estrutura produtiva e o ambiente institucional condicionam a capacidade de adotar novas tecnologias
O caso argentino: uma regulação que poderia frustrar outra oportunidade histórica
Nesse contexto global, a Argentina está começando a debater seu próprio marco regulatório. O projeto de lei impulsionado pela Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Câmara dos Deputados, liderada por Daniel Gollán, propõe criar uma Agência de Gestão do Conhecimento (AGC) com amplas competências: supervisionar e auditar sistemas de IA, exigir certificações obrigatórias, impor sanções e reclasificar algoritmos.
Embora o debate seja necessário, o desenho atual do projeto apresenta relevantes riscos econômicos. A criação de novas cargas regulatórias (auditorias, certificações, registros e contribuições obrigatórias equivalentes a 5% do Imposto de Renda para grandes empresas) poderia aumentar substancialmente os custos de conformidade, afetando a competitividade e desincentivando a inovação em startups e PMEs tecnológicas.
A definição legal de “sistema de IA” proposta, que abrange qualquer programa que “infera resultados a partir das informações que recebe”, é tão ampla que incluiria desde um software contábil até um motor de recomendação de e-commerce. Uma regulação dessa magnitude poderia gerar um efeito contrário ao desejado: retardar a adoção empresarial de IA, precisamente em uma economia que precisa aumentar sua produtividade e exportar serviços baseados em conhecimento.
Como alerta Fund.ar (2024), o risco na América Latina não é a ausência de regulação, mas a sobrerregulação. Um marco rígido pode desestimular o investimento e consolidar a dependência tecnológica, justo quando a região deveria fomentar seu próprio ecossistema.
Discutir uma estratégia de desenvolvimento, não apenas de controle
A experiência internacional mostra que os países mais bem-sucedidos na adoção da IA (como Estados Unidos, Coreia ou Israel) priorizaram políticas de inovação e capital humano antes de marcos sancionatórios. A CEPAL propõe avançar em uma agenda dual: acelerar a acumulação de capital intangível (capacitação, desenvolvimento de casos de uso setoriais e adoção em PMEs) e, ao mesmo tempo, projetar esquemas regulatórios proporcionais ao risco e flexíveis diante da evolução tecnológica.
No plano macroeconômico, a IA representa uma oportunidade concreta para aumentar a produtividade total dos fatores, reduzir custos de transação e melhorar a eficiência do setor público. Mas aproveitá-la requer um olhar estratégico: investir mais em capacidades do que em burocracia, e entender que o verdadeiro risco não está na tecnologia, mas em não saber usá-la bem.
Inteligência artificial e visão país: competir ou ficar relegados
A ascensão da IA redefine cadeias de valor, fluxos de capital e hierarquias tecnológicas globais. Para economias emergentes como a argentina, o risco não é ficar fora da regulação, mas fora do mapa produtivo. Enquanto o mundo investe para liderar a revolução do conhecimento, uma sobrerregulação ou uma ausência de visão poderia cristalizar nosso papel como usuários periféricos. Competir exige governar a IA com estratégia e pragmatismo econômico: promover investimento, proteger o talento e criar condições de escala. Caso contrário, o futuro digital pode consolidar as lacunas que a inovação prometia fechar.

Comentários